Outro dia,
estávamos, meu filho e eu, realizando a experiência de plantar feijões. Não
como no meu tempo de criança, em que colocávamos os grãos na terra ou num copo,
envolvidos em algodão, e só sabíamos que tinha dado certo uns sete dias depois,
quando finalmente a plantinha chegava à superfície. Colocamos os grãos num pote
de vidro, de forma que pudemos acompanhar sua germinação dia após dia, as
pequenas raízes se formando, os grãos perdendo sua casca e se abrindo para dar
lugar à primeira haste com a primeira folha, antes de chegar à superfície. Dos
cinco grãos, apenas dois de feijão carioca se desenvolveram e agora estão num
vaso para serem devidamente cuidados - quem sabe não colheremos um feijão
verdinho para nosso almoço, acompanhado de manteiga, queijo de coalho e
coentro? Que meu santo amigo Guimarães me perdoe, mas coentro aqui não pode
faltar, só no dia em que ele vier para o almoço, porque amigos a gente recebe,
e recebe bem, fazendo os gostos. Os outros três grãozinhos, que eram de feijão
preto, fecharam-se em si mesmos e se recusaram a germinar - vou precisar
recorrer a meus amigos biólogos e agrônomos para entender o porquê, que meu
cientista mirim não gosta de ficar sem respostas.
Pois bem, enquanto
realizávamos a tarefa de casa, observando o crescimento contínuo das
plantinhas, fiquei a pensar que estamos todos como esses grãos nesses tempos de
pandemia. Em nossas casas, sozinhos ou acompanhados, estamos sob um peso que
nos pressiona a decidir se vamos germinar ou não, assim como os grãos, em sua
casa de vidro, comprimidos debaixo de camadas e camadas de papel toalha
umedecido, expostos ao sol e ao sereno da noite, trabalhando em suas entranhas
para se tornar algo maior, uma planta, generosa em suas vagens repletas de
grãos. E tudo se passando no silêncio: quem ouve o romper glorioso das
sementes, o avançar ininterrupto das raízes, o desenrolar da primeira haste,
empurrando o peso que necessariamente a comprime num espaço apertado? Não,
ninguém pode ouvir quando finalmente a primeira folha se abre ao sol, como a
toalha de mesa limpa e engomada que gentilmente estendemos para as ocasiões
especiais, junto aos que amamos.
Na verdade, sempre
que situações indesejáveis nos acontecem, somos levados a tomar decisões acerca
de nossas vidas, a escolher como precisamos reagir e quem devemos nos tornar.
Em geral, há um abismo imenso entre o que desejamos e o que, de fato, precisamos.
Até que tenhamos harmonizado as nossas reais necessidades e os nossos desejos,
o caminho é longo, e geralmente árduo. Mas não há caminho em que não haja
belezas e aprendizados - depende de como o aceitamos.
Cristo nos lembra
que a semente precisa morrer para dar fruto. Sempre há algo em nós que precisa
morrer para dar lugar a outras coisas, e nesse processo é importante silenciar,
estar a sós consigo, afastar-se dos ruídos dispersadores. Ir até o fundo de si
para retornar, radiante, à superfície. Ir ao deserto, sozinho, e de lá voltar,
transbordando de palavras divinas. Pelos lábios do profeta Oseias, é o próprio
Deus quem diz que nos levará ao deserto e falará ao nosso coração. Deus sempre
conduz os que Ele ama para o silêncio e a solidão, não é possível nos
achegarmos a Ele sem desvelarmos a nós mesmos.
Se esse encontro com
o que somos dói, tanto melhor. Liberta. Faz-nos reconhecer nossa frágil
condição, torna-nos mais compassivos, mais capazes de nos ofertar aos outros,
mais capazes de sorrir de nossas próprias falhas e, assim, desarmar o que em
nós quer nos roubar a verdade.
Penso que a
humanidade estava precisando de uma pausa, uma longa pausa debaixo do peso de
seu próprio infortúnio. Penso que os tantos que se foram são, dignamente,
sementes para os novos homens que surgirão. E os que aqui continuam, também
sementes, a escolher se vão germinar ou não, como os grãos de feijão no pote de
vidro. O tempo dirá.
Kalliane Amorim
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