segunda-feira, 30 de novembro de 2020
Ribeira
sábado, 28 de novembro de 2020
Jesusinho
Jesus menininho
em meus braços está...
Penso em cantar-lhe
canções de ninar,
mas ele adormece
antes de eu começar.
Sorri entre sonhos...
Que sonhos terá
um Deus que deseja
em meu colo ficar?
Jesusinho, tu dormes
para me acordar...
Kalliane Amorim
À porta
Todos os caminhos
terminam em uma porta.
Mapas, bússolas, astrolábios,
diários de bordo, vários,
símbolos e sinais
de antigas rotas -
que importam,
se não tens a chave?
Planaste pelas campinas do ar,
equilibrado sobre a haste do tempo,
e vislumbraste a porta, entre as muralhas
invisíveis do firmamento...
Caminhaste, sempre tão atento
às minúcias de cada eterno
momento... Sob os teus pés,
a cada passo, a porta,
a aldrava e o consentimento.
Mergulhaste nas águas todas,
límpidas e turvas, teu movimento
era adiante, tua busca,
a ostra atrás da porta,
fluida e muda,
sobre cuja soleira,
silente, te prostras.
Ó porta bendita!
Ó tu, que separas
a vida da vida,
ó tu, que amalgamas
inícios e fins,
tem piedade, tem piedade de mim!
Abre-te às cores inomináveis
desta canção,
e aos arabescos que em ti
desenham estas minhas mãos...
Abre-te, ó porta, e deixa passar,
teu mistério e tua verdade...
Abre-te, que de ti mesma
são meu corpo e minh'alma a chave.
Kalliane Amorim
Contentamento
Contestar já não era seu feitio.
Contentou-se.
Passava o vento, recolhendo,
em sua rede,
botões ensimesmados,
sóis de muitos estios.
Passava o vento,
e já não farfalhavam
nem palavras pelos galhos,
nem sombras no pensamento.
Contentou-se.
Dos tempos idos
ficaram, fundas, as raízes,
entalhadas cicatrizes
num corpo de despedidas,
por onde dançava
da paz a seiva,
casta, branca,
a seiva da vida.
Contentou-se,
chegada, enfim, a verdade:
com quantos outonos se borda
a sombra fresca da liberdade!
Kalliane Amorim
(Escrito em 24 de outubro de 2020)
Messe
São sete desejos, sete
arados no calendário...
São setenta vezes sete
espinhos no campo vasto...
Sete velas carmesim,
domando ventos contrários...
Sete ilhas, sete estrelas,
um só barco em que me basto...
São sete dobres solenes
nos lábios do campanário...
Minha messe: uma palavra
no silêncio de outros rastos.
Kalliane Amorim
(Escrito em 19 de outubro de 2020)
Sacrário
Além, mais além,
pelas frestas da saudade,
em órbitas desconhecidas,
teu olhar minhas fronteiras
reinicia.
...
Ondas, sendas,
de água e de terra, caminhos,
rabiscos na pele do vento amigo...
E o esboço do que havia sido,
em nácar indescritível
envolvido...
...
Há sempre um véu entre nós,
embora acesas as lamparinas...
Só a canção deste momento
- dor, amor, esquecimento -
nos aproxima.
Kalliane Amorim
(Escrito em 24 de agosto de 2020)
Bem-te-vi
Bem-te-vi que
estás pousado
na beira do meu
telhado,
bem-te-vi, oh,
bem-te-vi,
desce aqui,
fica ao meu lado.
Vem contar tuas
histórias,
vem mostrar
tuas paisagens,
bem-te-vi, oh,
bem-te-vi,
aos meus olhos
de passagem.
Eu bem sei que
é teu canto
que acende a
luz do sol,
bem-te-vi, oh,
bem-te-vi,
teu canto é
como um farol.
Um farol
incandescente
que se estende
em minha rua,
bem-te-vi, oh,
bem-te-vi,
se minha voz
fosse a tua!
Pintaria de
amarelo
toda a minha
poesia,
bem-te-vi, oh,
bem-te-vi,
que me fazes
companhia.
Tuas asas vão
se abrindo,
já não ouço o
teu cantar,
bem-te-vi, oh,
bem-te-vi,
amanhã vens me
acordar?
Kalliane Amorim
domingo, 22 de novembro de 2020
Ofício
As sombras se estendem, longas, nas estradas,
e os ventos, em seu tropel, seguem seu curso,
desarranjando os arames dos cercados,
anuviando, pouco a pouco, todos os rastros:
cavalos, carros de boi, meninos, lagartos,
tudo vai se vestindo de um traje poento,
com aromas de guardado.
No alto do campanário,
um pombo arrulha as notas do dia,
e ao seu lado, solitário,
o crucifixo parece dizer tanto, calado...
Permaneço sobre o piso quente e ladrilhado
da pracinha defronte à igreja,
aguardando pelo sineiro –
é breve o ofício das seis.
Espero, espero, espero...
O sineiro, no entanto,
não vem,
não
vem,
não
vem.
Dobram os silêncios no meu velho peito,
e eu compreeendo:
as palavras fugiram-me do alforje,
a poesia, porém, como o cordeiro,
deu-se-me, por inteiro.
Amém.
Kalliane Amorim
(Escrito em 14 de julho de 2020)
Desprendimento
Deixai vossos sonhos
na escuma das ondas,
o vento os convida
para navegar
sobre o mar imenso
que em tudo se esconde,
por dentro da aurora
que veste os corais.
Deixai vossas mágoas
nas águas profundas,
onde luz alguma
se põe a traçar
o esboço das horas
perdidas e frágeis,
como ressequidas
estrelas-do-mar.
Deixai vossos cantos
de sal se vestirem,
e todos virão
em vós se banhar...
Deixai-vos singrar
os mares bravios,
deixai vossos remos,
deixai-vos levar...
Kalliane Amorim
Mares adentro
Singrando o dia,
sangrando à noite...
Gesto cantares
para acordar
auroras rubras
em meu olhar.
Singrando o dia,
sangrando à noite...
Ondas revoltas
no imenso mar,
somente o canto
pode acalmar.
Singrando o dia,
sangrando à noite...
Velas abertas,
mãos sobre o leme,
em que baías
vou ancorar?
Singrando o dia,
sangrando à noite...
Se nasci barco,
não quero o cais,
não quero as praias,
desejo o mar.
Singrando o dia,
sangrando à noite...
Mares adentro,
sem almejar
qualquer tesouro,
senão cantar...
Kalliane Amorim
Secretos desígnios
– Corramos! – sussurra o tempo
aos meus ouvidos atentos.
Que mais ele me dirá,
senão das eternidades
escondidas sob as vestes
escarlates do crepúsculo?
Que mais há de me mostrar,
senão efemeridades
moldadas pelos ventos
à beira dos precipícios?
– Corramos! – insiste o tempo
em meu peito tão antigo.
– Leva-me até onde ergueste
tua tenda, ó peregrino!
Toma-me, que a ti somente
pertence este meu destino!
Sobre teu corpo translúcido
deitarei minha pobreza,
deitarei minha nudez...
Ouvirei tuas cantigas,
tempo amado, tempo amigo,
e, ouvindo-as, saberei
os teus secretos desígnios.
– Corramos, como se fôssemos
um do outro enamorados...
– Corramos, antes que a noite
arremate o seu bordado...
Antes que, tesoura em punho,
ela corte para sempre
os fios com que teceste,
em meu corpo, as tuas marcas...
Kalliane Amorim
Novembro
Um pio agudo de coruja,
rasgando
a pele da noite,
anuncia
a tua chegada.
Vens
trazendo, sob a língua,
um
canto feito de sombras,
tecido
nas madrugadas.
Vens
trazendo, entre os dedos,
ramos
murchos de ciprestes
e
pedrinhas lapidadas.
Vens
trazendo, em teu alforje,
uma
lâmina, um espinho,
uma
adaga prateada.
Vens
trazendo, cavaleiro,
na
negra crina do tempo,
a
palavra mais exata.
Vens
chegando e te inclinando,
vens
em minha direção,
conheces
a minha estrada.
De
presente, vens trazendo
um
espelho, uma ampulheta,
outro
álbum de retratos.
Não
diviso o teu semblante,
oculto
sob um capuz
de
cores tão desbotadas.
E
antes mesmo que eu esboce
meu
sorriso, vais embora,
sem
dizer qualquer palavra.
Então
ponho numa agulha
frágeis
fios de memória
e
costuro os meu retalhos
De
cetim e de algodão,
de
linho, veludo e juta,
e de
sedas estampadas.
Vou
tecendo eternidades
neste
álbum que sou eu,
e o
que sou, senão palavras?
Vou
tecendo, enquanto espero,
numa
curva do caminho,
anunciarem
tua chegada.
Quem
sabe se novamente
trazendo-me
de presente
minhas
horas olvidadas.
Quem
sabe me dando a mão,
levando-me,
para sempre,
para
os campos da saudade.
Kalliane Amorim
Firmamento
Kalliane Amorim
(Escrito em 22 de agosto de 2020)
A esta hora
senhora,
não mais te reclama
a mobília,
o assoalho,
no recanto do teto,
a teia e a aranha.
Nada mais te espreita
ou conhece teu nome.
Estranhas.
Cora a tua tez
saber-te inútil
a esta hora, mas vês,
estendes a mão,
alargas da porta a fresta...
Nesse trino gesto,
uma prece inteira:
da hora derradeira
a claridade te acompanha.
Já não és só,
e é quase dia,
senhora.
Teu gado, oculto,
arrebanha,
que já te chamam,
lá fora...
Kalliane Amorim
(Escrito entre 20 e 21 de agosto de 2020)
Oferenda
segunda-feira, 6 de julho de 2020
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E assim vamos, no diálogo entre o pão e as Águas de março, aprendendo as lições da vida:
segunda-feira, 29 de junho de 2020
Lições deste tempo: o toque
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Lições deste tempo: o silêncio
Ribeira
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