sexta-feira, 29 de maio de 2020

Jogos poéticos - A rede - Parte 1

Ah, a rede... Nos versos do poeta potiguar Jorge Fernandes, em seu Livro de Poemas, a rede é...

Embaladora do sono...
Balanço dos alpendres e dos ranchos...
Vai e vem nas modinhas langorosas...
Vai e vem de embalos e canções...
Professora de violões...
Tipóia dos amores nordestinos...
Grande... larga e forte... pra casais...
Berço de grande raça


Guardadora de sonhos...
Pra madorna ao meio-dia...
Grande... côncava...
Lá no fundo dorme um bichinho...
— ô...ô...ô...ôô...ôôôôôôôôô...

— Balança o punho da rede pro menino durmir...


De elemento identitário pessoal/regional, a rede passa a símbolo de brasilidade nesse poema em que as reticências garantem a construção da imagem quase alada da rede, em seu balanço lânguido e preguiçoso.

E no verso-e-prosa dos que fazem a confraria Café & Poesia, que seria a rede?


MINHA REDE
(Marlene Maia)

Na minha rede artesanal ,
Deleito-me em preguiça. 
Nela balanço os meus sonhos ,
Nas suas varandas, me envolvo, 
Curtindo suas delícias. 

Rede de tantos carinhos,
De dengos e aconchegos,
Descanso do meu corpo cansado 
E acalanto das crianças 
Com as cantigas de ninar. 

Minha rede traz saudades  
De contemplar o luar
Nas noites de lua cheia,
Na imensidão do mar,
Pela fresta da janela que clareia 
Um recanto do meu lar. 

Balanço a rede escutando  
A chuva lá fora cair 
Sobre o piso de chão batido -
Dá vontade de dormir. 

Minha rede é acolhedora 
No seu ninar envolvente,
Rede que me faz sonhar,
Traz-me alegrias na mente. 

Vou desfiando ilusões  
Na rede, com todo prazer.
Por mim não será esquecida 
A minha cama de punho.

Nos armadores da vida,
Talvez bem mais colorida, 
Noutra rede vou viver.



NO BALANÇO DA REDE
(Vanda Jacinto)

No balanço de uma rede,
Sempre desejo estar.
Mas com medo de uma queda
Deixo o desejo para lá…

        Nada é mais preocupante, para mim, do que a ideia de ter que dormir em rede.
Dia desses, recebi um convite para assistir a posse de uma amiga em uma Academia, no interior do Ceará.
Por desconhecer a estrada e a cidade,  recorri ao amigo “Google”, para melhor me situar. Diante das informações, decidi pernoitar  evitando pegar a estrada à noite.
Já estávamos, eu e o meu esposo, mais ou menos resolvidos, quando a nossa amiga ofereceu estadia na casa da sobrinha dela. Educadamente agradecemos e dispensamos a oferta. Contudo, ela insistiu tão carinhosamente, que sequer ficou brecha para recusas. Aceitamos.
A partir daí, começou o meu aperreio, pois tenho o péssimo hábito de sofrer com antecedência, pensando nos prós e contras.  Imaginei situações mil.
Sabendo que a família toda dela estaria presente à cerimônia – isso, incluindo os parentes que residem em outras cidades -, fiquei imaginando, como a anfitriã acomodaria tantos convidados.   Haveria cama suficiente para todos? Sim, porque eu não durmo de rede, nunca dormi! E se a única opção fosse essa?
Angústia me definia naquele instante.
Desejosa de não mais sofrer, decidi que, se não houvesse jeito, arrumaria uma saída qualquer. A pousada “O Bastião” -resultante da pesquisa,  entrou no foco principal.
Não minto, fui dormir preocupada com o dia seguinte. A rede armada, com certeza, foi o último pensamento da noite. Não deu outra, sonhei com o meu esposo me ensinando como deitar numa rede. E era tanta fofoca, que de fato, no sonho quase caí da famigerada rede.
Acordei assustada me debatendo. Graças a Deus foi só um sonho! Ou um pesadelo, não sei… O coração dava  mil pulos dentro do peito.
  Definitivamente, dormir de rede, é um  requisito nordestino que, por medo  nunca fiz questão de aprender. Até comprei algumas redes e tentei usufruir do balanço, mas só em pensar em quedas, resolvi  guardá-las no fundo do baú – literalmente!  
Na última mudança de residência,  dei todas de presente!
Até já me sentei numa rede, armada a dez centímetros do chão. Porém, sinceramente, esse é um apetrecho que não me seduz! Aceito a compreensão daqueles que não vivem sem ela. 
Mas, voltando ao assunto primeiro... Chegamos à casa da nossa da nossa anfitriã, onde fomos muito bem recebidos. Na verdade, uma festa nos aguardava!  Mal colocamos as malas no chão, já fomos arrastados para a grande copa. A mesa já estava posta com bolos, pães, tapiocas e o famoso  cafezinho. Nessa tarde,  além de um bom papo, tínhamos  ao vivo e a cores, nada mais nada menos  do que a presença do nosso grande poeta Antônio Francisco.
Conversa vai, poesia vem, alguém do grupo  elogiou e agradeceu a acolhida e principalmente o tamanho da casa, o que culminou num convite para um “hometour”. E lá fomos nós…
O meu olhar ansioso,  vasculhava cada cômodo à procura de cama, claro; até que uma parenta dela falou de um enorme salão no andar superior, onde havia armadores para mais de cem redes, utilizadas para acomodar os visitantes. Quase tive um troço.  Imediatamente meu pensamento foi para o Bastião – a Pousada (risos).
Meio sem graça, continuei o desbravamento do espaço, até dar de cara com  o espaço das redes. Armadores por todos os lados...Desci meio desorientada.
Entretanto, para o meu contentamento, quando voltei à copa, uma das secretárias me disse: “Coloquei a sua bagagem lá no quarto em que ficará acomodada”.
Mal tive voz para agradecer pela informação e pela gentil atitude da moça, tamanha a felicidade que me invadia.
Mais que de pressa, quis saber o local, o que me foi indicado prontamente. Gente, vocês nem imaginam... Havia sido reservada a  “suíte master”, para mim!
Senti vergonha dos meus pensamentos e juízos maus. 
Verdade seja dita, eu me adequei a muitas coisas, destas paragens em que vim morar, mas ainda trago arraigadas certas tradições e raízes de minha cultura – dormir em cama é uma delas. E raízes, vamos combinar, são bem firmes no chão. Pelo menos, as minhas...



NA REDE, AS SAUDADES...
(Dany Santos)

A lua desaparecia ciumenta por trás das casas... Pela fresta da janela, de um quarto humilde, ela observava o nascer do sol e o reinício do cotidiano das pessoas. Enquanto observava, pensava consigo mesmo: "Adoraria ter minha mocidade de volta." Dizendo isso e caminhando com dificuldade, apoiou-se, penosamente, numa rede cinza - quase toda gasta - que estava armada em um canto de parede daquele cômodo. Ao sentar nela, olhou para suas mãos trêmulas. De seus olhos duas lágrimas escorreram. 

Ela, forçando um sorriso tímido, passou a conversar com a solidão. Lembrou-se, com muita nitidez, o dia do seu casamento. “Eu, de certo modo, era a noiva mais linda desta cidade. Todos reparavam o viço da minha pele e do rosado intenso dos meus lábios. Lábios que beijei, e acalentei, cada um dos meus filhos. Lábios que cantaram canções de ninar, balançando-os em suas redes. Preocupada com o porvir, trabalhei com muito esmero para dar-lhes um futuro digno”, relembrou consigo mesma.

Ainda sentada na rede de tantas histórias, recordou as cidades que visitou, os bailes que participou, o doce e gentil companheiro de quase meio século que, deitado naquela mesma rede, descansou eternamente. 

Hoje vivendo o abandono da velhice, ela ainda teve forças para refletir: "Só a constante solidão é minha aliada. Se pelo menos a morte me visitasse, teríamos muito o que conversar, quem sabe ela me levasse por aí afora para ver o que não consigo enxergar olhando pela fresta da janela..."




TIBAU E SEUS ENCANTOS

(Dulce Cavalcante)

 

A rede armada no alpendre

alça voo, sai dos punhos,

voa, solta dos cordões e vai,

visita as areias,

as ondas crespas

e as falésias coloridas.

Estão todas no lugar.

E as emoções?

Encantadas no sonho de outrora.

Olhos abertos contavam os caibros,

as telhas,

mosaico de ilusões

perdidas,

enroscadas

nas varandas de crochê.

O livro  "Ostra feliz não faz pérolas"

descansa sobre o peito.

E os óculos?

Debaixo da rede, nada veem. 



BALANÇO

(Kalliane Amorim)


Numa rede de varandas,

o teu sonho se balança,

levado por minha mão...


                    A tarde vai se deitando,

                    e eu aqui, cantarolando,

                    ninando teu coração...


Teu corpo vai descansando

para outras brincadeiras

que amanhã florescerão...


                    E serás meu cavaleiro,

                    meu anjo, meu violeiro,

                    meu pirata, meu capitão...


Remarás teu próprio barco,

criarás as tuas asas,

acharás tua direção...


                    Mas sempre serás menino,

                    balançando-se na rede

                    que armei no meu coração...




A REDE

(Ieda Chaves)


Rede de dormir,

para descansar,

aproveitar a preguiça,

sonhar, pensar,

planejar, namorar,

poetizar...


Rede de relacionamentos,

as famosas redes sociais...

Rede de TV

para informados nos manter.


Rede de vizinhos

para aproximar.

Rede de proteção

para não arriscar

a vida familiar.

Rede de conexão

com a internet.

Rede de pesca

para alimentar.


De todos os tipos de rede,

prefiro a rede de deitar-se.

Aquela que descansa o corpo

e que nos faz relaxar,

para dormir e sonhar.


Rede para acalentar os filhos,

rede para namorar,

rede para cantar,

rede para se balançar.


De todas as formas

de usar a rede,

a que melhor me cativa

é aquela que me faz

sonhar acordada.




A REDE E A SAUDADE

(Riz Silva)


A rede balançando no alpendre

Fogia em galope a tristeza 

No rec rec da saudade

No frio cinza da fogueira


Em noites de lua cheia

Ardia a chama que subia

Num cochicho de velhas histórias

Que os mais velhos conduziam


O milho sapecado na brasa

As brincadeiras de roda 

Na escuridão do sertão 

Marcados na minha memória 


Embalando a rede armada 

No toco da carnaúba 

Na velha casa de taipa

Onde a infância se curva


Na debulha de feijão

Também quando era de milho

Em volta de um balaio

Todos se reuniam 

E as redes armadas no alpendre 

Para depois se tirar um cochilo.


Foram tempos de alegria

Que guardo na palma da mão

Da rede e das velhas lembranças

Do meu querido e amado sertão.




REDE NO ALPENDRE

(Célia Medeiros)


No alpendre aprazível da praia de Tibau,

Há pouco, na última temporada de verão

Nossa família reunida, balançando em suas redes, 

Os sonhos, a boa prosa; jogando fora os estresses,

Recarregando as energias para a vida e seus reveses.

Embalados pela brisa, música e sorriso,

Varandas esvoaçantes no alpendre

Cheiro de mar, o vento sacudindo os coqueirais,

Eternizando a alegria daqueles instantes.

Nuvens brancas formando as imagens

Que os olhos, vez por outra,

Teimavam em identificá-las...

Numa rede, um balanço, um despertar

Naquela paz tão saudável e familiar,

Desfrutavam de um prazer indescritível...

O que parecia ser mais umas férias de verão

Foi tão somente uma despedida, 

O anfitrião, carismático e tão querido da família

Amante do banho de mar, de uma rede, da alegria,

Que em abril, voou nas asas do vento, 

Fez cair as nossas lagrimas de saudade,

E, se fez estrela que brilhará eternamente sobre o mar.




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