A PIA
(Vanda
Jacinto)
Quase nada me
assusta
Dos afazeres de
casa,
Mas a pia cheia
de louça
O bom humor logo vaza.
E quando isso
acontece
Arrumo logo um jeitinho,
Começo logo a
cantar
E vou
lavando de mansinho.
Se a preguiça de
repente
A eficácia
prejudicar,
Fica a dica
pertinente:
Comece logo a
lavar.
Pia cheia, muita
calma!
Mergulhe
logo as panelas,
Aproveite e limpe
a alma
E coloque um
brilho nela.
Tudo fica mais
sublime
Com a alma
reluzente,
Até a pia de
louça
Brilha como o sol
poente!
PIA DE PALAVRAS
(Ângela Gurgel)
Lá fora alguém
passa gritando,
“pia” como as nuvens
estão escuras,
acho que vai chover...
No quintal um pássaro “pia”
manifestando
sua alegria...
Aqui dentro
uma pia,
repleta de louça,
parece querer
ficar vazia...
Olho para ela
indiferente,
interessa-me mais
esperar a chuva chegar
e ouvir o pássaro cantar...
SILENTES
(Lilia Souza)
Na manhã seguinte
Sobre a silente pia
A louça do jantar
Do café da manhã
Um bule de chá
A saudade doída
Uma febre malsã
Sobre aberta ferida.
Na pia abarrotada
Sobre toda a louça
Esponja e sabão
Uma chaleira de água quente
Um jato da torneira
A cascata dos olhos
- Em silêncio.
Esfrega esfrega
Lava enxágua
Pelo ralo da pia
Tanta água
Escoa
Silente
Volta ao leito dos rios.
Lá fora
Canta um sabiá.
PIA, AO SOM DE VINÍCIUS...
(Dany Santos)
Não tenho destreza em penejar,
Mas já em lavar louça
Sou muito hábil,
Pois já o faço desde menininha,
Lavo-as sempre com muito esmero,
Acaricio com bucha e sabão
Panelas, pratos e talheres,
Sempre ao som de Vinícius,
Porque se é para esvaziar a pia
Tem que ser em grande estilo.
A água desenhando os contornos
De cada panela, purificando
Uma a uma, embaladas pela melodia
Suave de um início de tarde.
QUE BELEZA!
(Dulce Cavalcante)
Vejam os pios
E arrepios do mundo:
Pia o pinto
Pia o bacurau
Pia o peito
Pia a coruja no pé de pau
Pia a pia de louça
Com pios da xícara de café
Pedindo pra ser lavada
E depois ser levada à sala
Pela mulher
Um café novo coado
Para poesia que põe mesa
Que beleza!!!!!
A PIA
(Célia Medeiros)
A pia cheia de louças
Para mim não tem problema,
Tenho esponja, água e sabão
E muita disposição...
Sempre fica bem limpinha,
Sujeira aqui tem não.
Agradeço a Deus por isso,
Sentindo-me privilegiada,
Talvez nem mereça tanto...
Ter comida para comer,
Ter água para beber,
A pia para limpar é pouco...
É o mínimo que posso fazer.
Lembro, ali bem adiante
Não tem água nem comida,
Escassez por toda parte,
Crianças nuas, descalças,
Mães aflitas a clamar:
Socorro, por caridade,
Traz uma pia, instala,
E água para jorrar
Na torneira do barraco.
Traz comida pra fazer,
Que quero ter o prazer
De cozinhar e gerar
Muita louça pra lavar.
Assim, por que eu teria
Motivo para reclamar?
SEM FANTASIA
(Kalliane Amorim)
Tão fria, ela me espia, todo dia. Seu colo metálico, assentado na negra
bancada de granito, cintila.
Seca, ainda não recolheu da casa as melhores memórias, aquelas que se
constroem sobre a mesa, entre risos, conversas, às vezes entre silêncios que se
compreendem com o olhar.
Todos dormem, ainda. Porém estou eu cedo a aviar o café das crias, traçando
rotas invisíveis pelo piso da cozinha.
Pego de uma faca, corto as frutas numa saladeira. Ligo a torneira: a água a
levar a lembrança daquele primeiro corte da manhã. Depois os pães, depois o
queijo. E que será de quem não tem louça alguma para empilhar? E que será de
quem só ouve o tilintar do desejo, de quem nem pão, nem faca, nem queijo, só a
fome a cantarolar?
A esponja ao lado com gotas de detergente, pronta para o fechar e abrir de
minha mão. A frieza começa a desaparecer, cedendo lugar ao frescor da água e à
peraltice da espuma, purificando talheres e louças, panelas e instrumentos,
tudo que vai naquele ofício cotidiano. Inclusive eu mesma, que tanto careço me
alvejar.
Quando todos saem, alimentados, volto outra vez a ela, e reatamos o
diálogo, que se estenderá fielmente pelo dia. Recosto a barriga na bancada
fria, a roupa se umedece. Como um ritual, começo a falar-lhe, mais uma vez.
Minha única companhia.
Ouve-me, solícita e atenta, como todas as coisas inertes da casa. O que lhe
digo, enquanto ensaboo e enxáguo a louça? O que lhe confesso, enquanto os olhos
mantêm-se fixos na água a descer em leve espiral pelo ralo? O que lhe segredo,
enquanto o peito, traspassado de presente, vai dando mais brio às horas? A pia,
cúmplice de minha rotina, espia quem sou, todo dia. Diante da pia, espio a mim
mesma, sem fantasia.
***
Na próxima postagem, continuaremos com os jogos poéticos sobre esse tema.
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