quinta-feira, 28 de maio de 2020

Jogos poéticos - A mesa - Parte 1

Se uma pia se enche de louça, é porque antes mãos habilidosas prepararam o alimento e bocas ávidas o saborearam, de modo que a mesa onde se serve o pão é tão sagrada quanto a pia que recebe pratos, talheres, panelas e vasilhas cheios de vestígios da fome aplacada. Uma mesa nunca é apenas uma mesa, vista pelo olhar de um poeta: de seus sulcos, outras imagens emergem.  A poesia está servida! Vamos à mesa, vamos às mesas do Café & Poesia!


ALTAR
(Lilia Souza)

Toalha xadrez
Barrada em crochê, 
Um jarro com tulipas
Na ponta de lá.

Do lado de cá
Bule de café,
A jarra de leite,
Um velho açucareiro.

A louça antiga
Disposta em pares,
Com esmero e carinho,
Para o fim da tarde.

Um bolo de milho,
O pão bem quentinho,
Manteiga, geleia,
Um pote de mel.

O pai e a mãe,
A avó e a filha,
O riso, a conversa,
Café em família. 

Em volta da mesa,
Reunião de retorno
Ao ninho do lar.

Contar sobre o dia,
Beber chá de amor,
Alimentar a alegria.

Tecer as lembranças 
Que bordam a vida,
As bem-aventuranças.

Mesa, altar da partilha
Do pão, do afeto 
- Do sempre, a cartilha.



MEMÓRIAS 
(Riz Silva)

A mesa posta,
a história pronta.
E, vez ou outra,
à vida encanta.

Na solidão da mesa,
a história se conta,
dos velhos amigos,
que não mais se encontram.

E quantas mesas
refeitas na história? 
É, alguns partiram,
outros ficaram na memória.

Essa mesma mesa,
que deu abrigo outrora,
vive atrelada ao passado,
resgatando várias histórias.

Os olhos passeiam 
sobre a mesa, recordando
tantos sonhos, projetos
que não viraram história.



REFINANDO O PENSAR
(Flávia Arruda)

A fome aguçada pelas descobertas atiça o degustar do pensar, apura o paladar e sofistica as ideias, ao passo que saboreia as iguarias raras de um ser pensante. 

Provando e provocando sabores e gostos. Assanhando vontades. Desarmando-se e desfalecendo-se ao saborear pratos do conhecimento. Exaltando-se pelas sensações de prazer do petiscar das concepções, dos entendimentos.

Saciando sedes nos sucos da alma, nos líquidos que correm pelos filamentos e abastecem a mente; que impulsionam; interrogam e descobrem o pulsar. Faminto, ávido pela sagacidade, debruça-se sobre a mesa farta, elegante e refinada. Lambuza-se com o mel da sabedoria, embriaga-se com o vinho da prudência; farta-se com as carnes do intelecto e deleita-se com o manjar dos deuses da argúcia do postular.

Sacia-se e, por instantes, a fome adormece. Dará trégua até o próximo banquete, apetecido pelos acepipes das perceptibilidades, acompanhantes do prato principal: o pensar.



A  MESA
(Vanja Reis)

Entre alimentos, conversas e flores,
estás posta...
E, quando, disposta, tens somente 
o necessário para estar...
O teu silêncio é preocupante, 
o teu emudecer ė penetrante.
O teu silencio é uma ciência a desabrochar
gerações, porque és família...
Mesa...Templo a alimentar uma ausência 
sem fim, saudoso retrato de um grito, pueril,
pintado em tons de um olhar cansado.
Mesa...de madeira e alma...
simbiose perfeita: o hoje e o ontem.
Mesa...palco da melhor sobremesa,
Ingrediente adocicado com a melhor poesia.
És, sim, uma sobremesa poética! 
Mesa...de mesa e mesa, és o bar da vida...
Carregas consigo a cumplicidade de um trago
Perdido...pela mais bela companhia.
Mesa...a toalha que te envolve é o manto 
que encobre as minhas lágrimas.
Mesa...Mesa...Mesa...
Sobre ti se esconde a minha história...



MESA E MEMÓRIA
(Ângela Rodrigues)

Mesa posta. 
Mesa farta.
Mesa vazia. 
De todas uma lembrança.
Herança de distantes dias.
Na infância,
fartura, alegria, 
“barriga cheia”
na grande mesa 
da casa grande da fazenda 
que não nos pertencia.
Na adolescência,
muitas vezes,
a fome era a tolha posta 
sobre a mesa vazia...
na mesa grande ou pequena,
de madeira ou chão batido,
sempre que o alimento era servido 
todos comiam com alegria.
Tantas histórias sobre mesa!
Por que lembrar agora
do que um dia faltou
sobre a mesa?!...
Talvez para nunca esquecer,
de agradecer todos os dias,
o alimento e as companhias.

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