segunda-feira, 25 de maio de 2020

Canção de outono

Desnudei-me,

nada fiz

a não ser despojar-me.

 

Deixei cair-me aos pés

cada folha ressequida,

e com elas fui erguendo

minha rútila ermida.

 

Alonguei minhas raízes,

adentrei minha própria terra,

fechei todos os meus bulbos,

encerrei minha própria seiva.

 

Ah, o tempo de estender

os meus galhos ao redor

do que sou, enfim, chegou!

 

O tempo de recolher

a memória do que era flor,

o tempo de engendrar

em fios acetinados

outro tom para o que for

toda entrega e gratidão...

 

Ah, o tempo, tão algoz

quando há verdor,

tão mais irmão

quando a feição

de meu corpo interior

se faz menos espinho,

portanto, uma centelha

do que soa ser amor...

 

Pode vir a tempestade,

que de minha parte,

desnudada,

entregue à fúria

da luz e do ar,

romperei o infinito

quando a primeira bainha

ao sol despontar.

 

...

Kalliane Amorim

11 de janeiro de 2018

...


Após 15 sessões de quimioterapia, inúmeros exames e alguns momentos de insegurança e medo em razão de um câncer de mama em plenos 37 anos - não fosse a fé que Deus plantou em meu coração e o cuidado constante de minha família e meus amigos, certamente teria sucumbido -, fui submetida a uma cirurgia no dia 03 de janeiro de 2018 (mastectomia com esvaziamento axilar) para dar sequência ao tratamento, que incluiria ainda 28 sessões de radioterapia e outras 12 sessões de uma terapia alvo intravenosa, o que só viria a concluir no final de outubro do mesmo ano. Ao todo, um ano e quatro meses de percurso. 

Exatamente oito dias após a cirurgia, escrevi esse poema, com a certeza de que não há dor nem sofrimento que não se torne caminho de reconstrução de si quando abrimos o coração ao amor de Deus, que tudo pode em nossas vidas. A palavra mais vivida nesse tempo e até hoje é gratidão, porque nunca estive só, porque fui e continuo sendo amada pelo Senhor e por aqueles que, em sua infinita misericórdia, Ele colocou em minha vida. 



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