sábado, 30 de maio de 2020
Dentro da tarde
sexta-feira, 29 de maio de 2020
Jogos poéticos - A rede - Parte 1
Embaladora do sono...
Balanço dos alpendres e dos ranchos...
Vai e vem nas modinhas langorosas...
Vai e vem de embalos e canções...
Professora de violões...
Tipóia dos amores nordestinos...
Grande... larga e forte... pra casais...
Berço de grande raça
Guardadora de sonhos...
Pra madorna ao meio-dia...
Grande... côncava...
Lá no fundo dorme um bichinho...
— ô...ô...ô...ôô...ôôôôôôôôô...
— Balança o punho da rede pro menino durmir...
De elemento identitário pessoal/regional, a rede passa a símbolo de brasilidade nesse poema em que as reticências garantem a construção da imagem quase alada da rede, em seu balanço lânguido e preguiçoso.
E no verso-e-prosa dos que fazem a confraria Café & Poesia, que seria a rede?
TIBAU E SEUS ENCANTOS
(Dulce Cavalcante)
A rede armada no alpendre
alça voo, sai dos punhos,
voa, solta dos cordões e vai,
visita as areias,
as ondas crespas
e as falésias coloridas.
Estão todas no lugar.
E as emoções?
Encantadas no sonho de outrora.
Olhos abertos contavam os caibros,
as telhas,
mosaico de ilusões
perdidas,
enroscadas
nas varandas de crochê.
O livro "Ostra feliz não faz pérolas"
descansa sobre o peito.
E os óculos?
Debaixo da rede, nada veem.
BALANÇO
(Kalliane Amorim)
Numa rede de varandas,
o teu sonho se balança,
levado por minha mão...
A tarde vai se deitando,
e eu aqui, cantarolando,
ninando teu coração...
Teu corpo vai descansando
para outras brincadeiras
que amanhã florescerão...
E serás meu cavaleiro,
meu anjo, meu violeiro,
meu pirata, meu capitão...
Remarás teu próprio barco,
criarás as tuas asas,
acharás tua direção...
Mas sempre serás menino,
balançando-se na rede
que armei no meu coração...
A REDE
(Ieda Chaves)
Rede de dormir,
para descansar,
aproveitar a preguiça,
sonhar, pensar,
planejar, namorar,
poetizar...
Rede de relacionamentos,
as famosas redes sociais...
Rede de TV
para informados nos manter.
Rede de vizinhos
para aproximar.
Rede de proteção
para não arriscar
a vida familiar.
Rede de conexão
com a internet.
Rede de pesca
para alimentar.
De todos os tipos de rede,
prefiro a rede de deitar-se.
Aquela que descansa o corpo
e que nos faz relaxar,
para dormir e sonhar.
Rede para acalentar os filhos,
rede para namorar,
rede para cantar,
rede para se balançar.
De todas as formas
de usar a rede,
a que melhor me cativa
é aquela que me faz
sonhar acordada.
A REDE E A SAUDADE
(Riz Silva)
A rede balançando no alpendre
Fogia em galope a tristeza
No rec rec da saudade
No frio cinza da fogueira
Em noites de lua cheia
Ardia a chama que subia
Num cochicho de velhas histórias
Que os mais velhos conduziam
O milho sapecado na brasa
As brincadeiras de roda
Na escuridão do sertão
Marcados na minha memória
Embalando a rede armada
No toco da carnaúba
Na velha casa de taipa
Onde a infância se curva
Na debulha de feijão
Também quando era de milho
Em volta de um balaio
Todos se reuniam
E as redes armadas no alpendre
Para depois se tirar um cochilo.
Foram tempos de alegria
Que guardo na palma da mão
Da rede e das velhas lembranças
Do meu querido e amado sertão.
REDE NO ALPENDRE
(Célia Medeiros)
No alpendre aprazível da praia de Tibau,
Há pouco, na última temporada de verão
Nossa família reunida, balançando em suas redes,
Os sonhos, a boa prosa; jogando fora os estresses,
Recarregando as energias para a vida e seus reveses.
Embalados pela brisa, música e sorriso,
Varandas esvoaçantes no alpendre
Cheiro de mar, o vento sacudindo os coqueirais,
Eternizando a alegria daqueles instantes.
Nuvens brancas formando as imagens
Que os olhos, vez por outra,
Teimavam em identificá-las...
Numa rede, um balanço, um despertar
Naquela paz tão saudável e familiar,
Desfrutavam de um prazer indescritível...
O que parecia ser mais umas férias de verão
Foi tão somente uma despedida,
O anfitrião, carismático e tão querido da família
Amante do banho de mar, de uma rede, da alegria,
Que em abril, voou nas asas do vento,
Fez cair as nossas lagrimas de saudade,
E, se fez estrela que brilhará eternamente sobre o mar.
Jogos poéticos - A mesa - Parte 2
Evocadora de lembranças, memórias olfativas e afetivas, protegida por toalhas de linho ou exposta em suas rugas, requintada ou simples, não importa: a mesa é objeto sagrado em torno do qual se enraíza nossa identidade. As crônicas e poemas a seguir refletem sobre isso. Boa leitura!
A MESA: LEMBRANÇAS
(Ieda Chaves)
Tenho boas lembranças de uma vida inteira, mas as que me trazem
gostosas recordações são fatos da minha infância vivida no interior nordestino,
na cidade de Portalegre, no Rio Grande do Norte, onde a vida simples foi
repleta de amor e sabores.
Da minha fase de criança o que mais me recordo são das mesas
fartas, na casa de meus avós e tios, que moravam na zona rural, onde se comia o
que era plantado, cultivado e colhido, com parceria e cumplicidade.
Tenho boas lembranças desse tempo no qual aprendi que a
qualidade da colheita é resultado do que se cultiva e da forma como se respeita
o meio ambiente. A arte de arar a terra, plantar, ver brotar e aguardar a
colheita sempre foi um exercício de contemplação e gratidão.
Tenho boas lembranças de um tempo em que se esperava o inverno
começar, no mês de janeiro, para em março dar início ao plantio de milho,
feijão e mandioca. Vem essas doces lembranças de um tempo em que, ao acordar, a
mesa estava posta e, nela, o café e o leite quente (trazido do curral que
ficava a poucos metros da casa, e que era fervido segundos antes de ir para a
mesa). Para o acompanhamento tinha a tapioca feita na hora (coberta com nata
fresca e recheada com ovo caipira que se pegava nos ninhos, ali mesmo no
terreiro).
Depois do café tomado havia tarefas a serem feitas. Lembro-me do
que mais gostava: separar os grãos de feijão que iriam encher os silos para
esperar até a próxima safra e, também, de debulhar milho ou descaroçar algodão
para fazer os pavios para as lamparinas que iluminavam as noites de climas
agradáveis.
Tenho boas lembranças da hora do almoço. Lá estava, na mesa, um
cardápio que agradava meu paladar: feijão (na maioria das vezes temperado com
toucinho), arroz de leite e cuscuz. A mistura variava, podendo ser carne de
boi, porco ou carneiro, em regra, guisados ou fritos em banha de porco, com
sabor indescritível dos temperos caseiros, geralmente, finalizados com coentro
e cebolinha (colhidos na horta da casa).
As mesas do almoço de domingo, sempre fartas, eu já podia
adivinhar o prato principal: galinha, pato ou guiné (capote ou galinha
d’angola), acompanhado do tradicional pirão.
Tenho boas lembranças dos pratos servidos no jantar. Eles
ofereciam sabores indescritíveis, como o cuscuz com leite (ou a paçoca),
coalhada fresca, mungunzá, batata doce com leite, tapioca e ovo frito, café com
leite, e, na época do milho verde, as tradicionais pamonha e canjica.
Não posso esquecer dos sabores das sobremesas artesanais, feitas
com produtos e frutos colhidos nos pomares que ficavam aos redores das casas
(doce de leite, caju e goiaba).
Sendo que o meu doce preferido era o de gergelim. Havia também
frutas frescas da estação as quais eram feitos os sucos de manga, goiaba, caju,
maracujá, cajarana, seriguela e limão adoçados com raspa de rapadura (hoje,
quando quero fazer o suco com essas mesmas frutas, uso o açúcar mascavo).
A mesa da sala de jantar era o lugar mais sagrado da casa e, a
qualquer hora do dia ou da noite estava lá, em uma bandeja forrada com
toalhinhas brancas de linho, as guloseimas para saciar a fome. Só era preciso
ir lá e “beliscar”. Ah, as gostosuras incluíam bolinhos de goma feitos com nata
e coco, rapadura (cortada em quadradinhos), alfenim, batida (de rapadura) e pão
de ló.
Tenho boas lembranças de que era em torno da mesa (ladeada por
dois bancos de madeira), que ficávamos após as refeições para um dedinho de
prosa. Os adultos falavam antes, as crianças depois, mas todos conversavam
sobre os assuntos do dia a dia, daquela vida pacata, porém repleta de alegrias.
Nas principais refeições, café, almoço e janta, os momentos eram
sagrados e respeito não podia faltar. Isso incluía, desde os horários aos
lugares onde se sentar (sendo a cabeceira da mesa o lugar dos mais velhos e do
dono da casa). Havia respeito, amor e afeto. Era na mesa farta de comida e,
sobretudo, de amor, que nos sentíamos acolhidos, alimentados e abençoados.
Ah! a toalha era xadrez durante a semana e, a de domingo, branca
e de linho.
TÃO PERFEITA
(Dulce Cavalcante)
Essa mesa posta,
tão perfeita,
traz muita resposta
na lembrança quase desfeita.
A mesa posta,
a toalha desbotada,
os pratos de louça (na minha visão)
já craquelados,
talheres baratos
ariados com sabão e areia do rio
davam-lhes brilho e valor.
A mesa posta,
os rostos afogueados de
ansiedade,
a mãe altiva, dona gentil
do pão de cada dia
que a mesa posta exibia.
O tempo a leva para o altiplano das saudades...
Quero trancar com mil chaves
nesse meu velho “comboio de corda chamado
coração”.
NAQUELA MESA
(Marlene Maia)
Eu me lembro com saudade da
primeira mesa onde fazíamos nossas refeições.
Éramos uma família de 11 irmãos, todos como uma escadinha - a diferença de idade era muito pouca.
Na época, na minha casa não
existia mesa na sala de jantar; era na cozinha que a minha mãe preparava a
refeição e colocava numa mesinha bem baixinha - uma especie de mesa japonesa.
Todos nós sentávamos nuns cubos de madeira com o nome de cada um xilografado,
que a gente chamava de cepo de sentar. A mesa era posta com pratos de ágata
branca com motivos florais pintados. Eu achava lindos aqueles pratos...
Não usávamos talheres; comíamos
de colher e lembro bem que elas eram douradas e bem trabalhadas, que a gente
dizia que eram de ouro. Depois do almoço e jantar, todos recolhiam seus cepos e
empilhavam-nos lá num cantinho; e a mesa era colocada num suporte na parede para
não ocupar o espaço na cozinha.
Ainda hoje recordo essa bendita
mesa guardada na memória dos tempos idos. Depois a mesa serviu de decoração
para pequenos jarrinhos de condimentos, uma pequena horta que minha mãe
plantava.
Aquela mesa deixou muitas
reminiscências.
GRANDE MESA
(Célia Medeiros)
E de repente, vêm à lembrança
tempos idos,
Pessoas queridas sentadas à mesa, a boa prosa,
Degustando comidas simples, porém, de sabor indescritível,
Feitas com amor, gesto singelo
de bem nutrir.
Quantas conversas trazidas
naqueles instantes
Dentro de uma harmoniosa
interação
Da família constituída,
originada não apenas pelo sangue,
Mas pela acolhida, pelo ato de
cuidar e fazer crescer.
Que saudades! Quanto amor
envolvido! Esquecer, jamais!
A semente plantada naquele tempo
foi transportada
Para uma nova realidade...
germinou, cresceu!
Hoje, na mesa posta, são novos
rostos, exceto o meu.
Mas repito o ato, tudo aquilo
que um dia alguém me deu.
A vida segue, aqui e lá, em
algum lugar, uma grande mesa
Novamente vamos formar...
UM CAFÉ, ÀS TRÊS DA TARDE
(Kalliane Amorim)
Rabanadas açucaradas,
rescendendo à canela,
atravessam as três da tarde,
clamando por um café.
A garrafa sobre a mesa
coberta com uma toalha
de tecido estampado
com detalhes em xadrez -
mamãe mesma costurara...
Nossas xícaras já cheias
de café e de conversas,
doces, carameladas,
assim como as rabanadas,
que perfumam a cozinha
e as memórias de nossa casa...
Detenho-me um instante,
contemplando a mesa posta,
o café, as rabanadas,
as xícaras de duralex,
e, sob todas essas coisas,
as mãos de minha mãe:
mãos ágeis de costureira,
mãos limpas de doceira,
zelosas em tantas palavras...
É exatamente assim,
sob doces rabanadas,
em meio à tépida névoa
de um café às três da tarde,
que me acena o teu amor.
Nada mais eu peço, nada,
a não ser essa lembrança,
a não ser teus verdes olhos,
minha mãe,
teus olhos, dentro dos quais
ainda me vejo criança.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Jogos poéticos - A mesa - Parte 1
terça-feira, 26 de maio de 2020
Jogos poéticos - A pia - Parte 2
Dando continuidade aos jogos poéticos sobre o tema "A pia", essa nossa companheira inseparável em dias de isolamento social, seguem as produções de outros amigos, integrantes da Confraria Café & Poesia.
PIA
(Vanja Reis)
Instável e fria
aquela louça,
do porcelanato
ao anonimato,
no canto quieta, imóvel,
se faz presente,
sequer avalia
a sua serventia.
Seu espaço é gourmet,
do cômodo
faz a sua morada.
Da silhueta
em cuba côncava
suas curvas
tão sutis e utilitárias;
e as mãos que a usam
lavam suas impurezas
que se dissolvem
em gestos de delicadeza
na sua rotina diária.
Ela se decompõe
aos prazeres
da limpeza,
da harmonia,
da leveza.
Na esponja e no sabão,
entre espumas,
a lavar os sabores
ali latentes;
a escorrer pela torneira,
a água, fria ou quente,
se esvai pelo ralo;
dia após dia,
dia e noite, noite e dia,
apenas nisso e só isso.
Ah!
Enquanto tiver pratos para lavar
menor será a solidão...
(Pe. Manoel
Guimarães)
Mas, pia...
Falar sobre pia,
Água limpa
E louça suja.
Só vendo...
Não... Só
lavando...
E agradecendo.
Porque se a louça
tá suja
É porque teve
comida pra comer
E água limpa pra
lavar.
Privilégio.
Quando tantos não
têm louça,
Nem têm água
E não têm pia.
Só fome.
SENHORA PIA...
(Flávia
Arruda)
A senhora pia só sabe resmungar, reclama que vive cheia de louça suja, com
panelas encardidas, esperando para serem ariadas, copos com restos de sucos e
bordas marcadas com batom. No escorredor de inox, a colher de pau partilha
divisória com o coador de pano do café, um pouco mais para o lado está a
cuscuzeira e a tacha de ferro fundido, usada para fazer tapiocas.
Entabulei um diálogo com a pia, precisaria fazê-la entender a importância
de servir uma refeição de qualidade. Separei cada guarnição. Botei os pratos
empilhados, recolhi os restos de comida, deixei os copos enfileirados, como
numa trincheira, prontos para o ataque de buchas e sabão, juntei os talheres e
as panelas, estas, ficaram um pouco mais afastadas. Pedi à senhora pia um pouco
mais de compreensão, pois ela teria de ter consciência do seu papel em nossa
casa.
Ora bolas, quem já viu uma coisa dessas?
Não era a primeira vez que eu a via amuada, de boca cheia e “esborrotando”
sujeiras. Coisa feia! Minha cara, deixe de boca suja, deixe de ser mal agradecida.
Quando vais conseguir entender o propósito de encher-te até a tampa? Fazendo-a
equilibrar-se em amontoados de louças?
Minha querida, amada e necessária pia, peço-lhe, encarecidamente, que abra
sua mente para a representação daquele momento, quando preparava o alimento
para a minha família. Prometo recompensá-la. Cada esponjada será em
agradecimento ao alimento pensado, feito e partilhado, nutrindo corpos e
aquecendo almas com o amor que a cozinha nos permite criar, num laboratório de
criação, entre rituais, de pratos, sabores, cores, cheiros, prazeres e
devaneios.
Ah, louca louça suja, sua linda! Deixa de piar nessa pia. Afinal, tudo tem
uma razão de ser.
A PIA
(Lázaro Fabrício)
A pia,
sob o relento,
a quina quebrada,
recebe a vasilha improvisada,
a ser lavada
a golpes d'água salobra
e enxaguadas pelas lúgubres lágrimas
da mãe aflita,
na agonia de saber que nela só irá
água fervida com açúcar.
É o que há,
garapa,
para alimentar a criança,
naquela noite fria,
de nuvens cendradas
num ciclo que parece sem fim,
um emblemático retrato da fome,
das agruras catalisadas,
penúria pungente
que sem mandar recado chega
da desigualdade escancarada,
pujante, a zombar desvairada...
(Riz Silva)
Depois de encher
o “bucho ”,
Que nem sempre é
na “godela ”
- Intriga do seu
Raí -
Corro e vou lavar
as panelas.
Aprendi desde
pequena
A cuidar da louça
suja,
Rendeu-me alguns
tapões
Que quase me
deixaram surda.
Filha de
nordestino
Aprende tudo na
marra:
Ou o serviço de
casa,
Ou o cabo da
enxada.
Hoje, morando
sozinha,
Com liberdade de
escolha,
Meu passatempo
preferido
É mesmo lavar
toda louça.
Bem acima da pia
Existe uma janela,
Dela vejo o
quintal
E o sol sorrindo
pra ela.
Eita tarefa
tranquila:
Lavar a louça e a
pia,
Ver o céu com suas
cores,
Enquanto as
panelas alumiam.
A PIA
(Ieda Chaves)
Participo de uma confraria cujas pessoas são amigas, alegres,
solidárias e incentivam os iniciantes, até os aspirantes, assim como eu, a
praticarem a arte literária através da escrita de crônicas e poemas.
A interação desse grupo é tão saudável que somos instigados a
escrever a partir de temas sugeridos no espaço do nosso grupo de WhatsApp; sem
dúvida, uma forma divertida de estímulo. O tema sugerido neste feriado de 21/04
foi PIA. E eu, para não ficar de fora da brincadeira, tomei coragem de
participar.
Quando comecei a ler os poemas, não hesitei, usaria o repertório
de saudosismos de minha infância no interior do Nordeste brasileiro, parte
morando na zona rural e, depois, na cidade, de onde tiraria o material para a
construção de um texto.
Pois bem, em tempos longínquos, nas casas das famílias mais
modestas, leia-se menos favorecidas economicamente, as louças eram lavadas não
em pia, mas em uma bacia de barro chamada de alguidar, um objeto com forma
redonda, feito de barro e polido.
E a partir daí foram muitas as recordações de minhas divertidas
iniciativas de aprender a lavar a louça de casa. Explico: por vezes a forma era
atrapalhada ao manusear o alguidar, que por ser de barro era pesado e, somado
ao volume de água, pesava ainda mais. O resultado é que, como eu era muito franzina,
tinha braços finos e pouca força física, ao término da tarefa, no jogar a água
suja fora, lá se ia o alguidar junto, espatifando-se no terreiro (quintal). Era
certo que além do prejuízo vinham as “ralhas” que levava de meu pai.
Outras vezes era a altura da mesa sobre a qual era posto o
alguidar, pois ficava muito elevada para minha pequena estatura; portanto,
terminava o serviço com a roupa toda molhada e, nessas ocasiões, era a minha
mãe que se incomodava e a minha boa intenção em ajudá-la era minimizada. Mas eu
pouco ligava, pois me divertia com a situação.
Após alguns anos, e já morando na cidade, na cozinha da casa tinha
pia, de cimento ou de mármore, não me lembro bem desse detalhe, mas o que
importa era que a pia cumpria sua função: servir para lavar louças, panelas e
utensílios de cozinhar.
Na verdade, a mudança de alguidar para pia mudou pouco a minha
habilidade de lavar pratos, pois a torneira era alta e, na maioria das vezes, o
chão é que ficava molhado de tantos respingados d’água. Ou seja, foi uma
verdadeira saga essa minha vontade de querer aprender a lavar louças.
Ah! Mas o que tirei de proveitoso dessas lembranças foi
reconstruir, nas minhas memórias, recordações de um tempo bom, de parcerias
familiares, do espírito colaborativo que aprendi e mantenho até hoje.
E, antes mesmo de terminar essa prosa, me lembrei de outro
detalhe: naquela época também era comum as pias serem postas em frente a uma
janela e, por meio dela, dava para se ouvir o canto dos pássaros vindo dos
quintais das casas.
Tenho saudades do que foi bom na minha infância, rica de histórias
para contar, pois até hoje conservo, além das lembranças, o esmero no que
aprendi a fazer com prazer, sem preguiça ou reclamações, e, entre outras
atividades, aperfeiçoei, com tempo, a habilidade para usar a pia sem mais
molhar o chão ou minha roupa e, na falta do alguidar e canto de pássaros, uso
pias e torneiras modernas e assim lavo a louça ouvindo boas músicas.
Mas, quer saber? Sinto falta mesmo é do canto do sabiá, que me fazia toda louça lavar sem nem ver o tempo passar.
***
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