segunda-feira, 1 de junho de 2020

Sina


Que sabem os montes e as tantas estrelas
da minha vigília nos campos da noite,
do corpo deitado sobre a relva fria,
sentindo, da morte, a carícia e o açoite?

Há muito converso com o que não me fala -
com flores, e águas, e areias, e ventos...
Sou mera aprendiz que calcula os espaços
por onde transitam as sombras do eterno.

Na minha algibeira, carrego silêncios,
com que Deus colore a branca paisagem
em torno da minha memória esquecida,
que ainda carece de pobres palavras...

Palavras distantes, como um horizonte
que veste meu corpo com as sedas mais finas,
tecidas nos velhos teares da aurora,
deixando-me, à mostra, nos ombros, a sina...

A sina de ter um olhar tão vazado,
que só se derrama, de tanto vazio,
por sobre o mistério singelo e sagrado
em cujo regaço procuro sentidos.

Há vozes serenas e quase inaudíveis,
cantando-me numa inefável linguagem...
Há muito converso com o que não me fala
na língua em que vejo minha própria imagem.

Há tanto desejo de me traduzir,
porém reconheço minha pequenez
diante do mundo que, sendo inocente,
jamais se envergonha de sua nudez...

Então, que também se desnude o meu ser,
pois quero entender esse estranho cantar,
poder transpassar os umbrais de minh'alma,
e as claras verdades, nas minhas palavras,
como um estandarte, poder carregar.





Kalliane Amorim

...

Créditos da imagem: 
Fotografia de José Bezerra (Ponta do Mel, Areia Branca - RN)

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