terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

As boas escolhas


Ela havia saído com o filho para comprar um quimono, as aulas iriam começar e ele estava entusiasmado para aprender a ser um “ninja”, igualzinho aos dos desenhos que costumava ver. Depois de provar variados tamanhos, escolheram um e foram se dirigindo ao caixa. Enquanto aguardavam na fila, a mãe comentou, sorrindo, feliz por acompanhar o crescimento de seu filho:

- Agora, serão quatro dias por semana, filho. Você já fazia natação, agora tem o karatê. Vai ser tão legal, né?

O menino ouviu atento e, enquanto a mãe pagava e se dirigia ao balcão oposto para pegar o pacote, ele brincava com os bonequinhos de mascotes de times nacionais, de vez em quando chamando-a para olhar.

Saíram da loja e foram caminhando pela calçada, de mãos dadas. De repente, ele soltou a mão e parou de andar. A mãe perguntou, vendo aquele semblante sério, o que acontecera. E o menino, franzindo a testa, confessa:

- Mamãe, não quero mais fazer karatê.

- Não? Mas por quê? A gente acabou de comprar o quimono. Você estava tão empolgado... O que aconteceu?

- É que eu não quero mais fazer karatê.

- Mas... Você passou meses insistindo para eu fazer a matrícula, até comentou que seus amiguinhos estariam na mesma turma.

- Não tô mais com vontade... É que, mamãe... Tem a natação, né? Aí com o karatê, vai ser mais dia com menos tempo de ficar perto de você e de papai, vai ser mais dia com menos tempo de brincar.

Não precisou argumentar mais. Ela entendeu perfeitamente que seu filho estava fazendo uma escolha importante para a vida, naquele momento, com apenas seis anos. Pensou que, nessa idade, no seu tempo, não diria nem sim nem não, não saberia expressar suas escolhas, porque havia sido educada, ela e sua geração inteira, num contexto em que a palavra dos pais sempre se impunha à dos filhos. Não que as novas gerações tivessem que se impor sobre os pais e fazer valer suas vontades a todo custo, até mesmo ao custo da desobediência. De forma alguma. Acreditava que devia existir, sim, uma hierarquia, uma autoridade, mas uma autoridade amorosa, com limites e abertura ao diálogo. Antes, pensou ela, as crianças simplesmente obedeciam, não havia espaço para falar abertamente sobre suas vontades, escolhas, preferências. Crianças não se misturavam na conversa dos adultos, o que comprometia, inclusive, seu vocabulário, sua bagagem cultural. O mundo dos adultos era completamente distinto e distante daqueles seres minúsculos que ainda não eram gente, eram apenas um projeto de gente.

Agora ela estava ali, diante de seu filho, seu pequeno filho que conseguira avaliar o impacto negativo que uma agenda cheia poderia causar na sua vida. Passava a manhã inteira na escola, muitas vezes precisava ir para a casa dos avós, porque a mãe tinha compromissos e não podia levá-lo consigo ou por causa do trabalho mesmo. Embora nos dias da natação ela ou pai o acompanhasse, para ele ainda era pouco. Precisava da mãe, não de uma rotina de atividades que o afastasse dela. Precisava do pai, não de uma figura decorativa no porta-retrato ao lado de sua cama. Precisava do contato físico, olhar nos olhos, ouvir a voz, sentir o aconchego do colo. Precisava do carinho e da correção, da brincadeira e da punição, que é disso que toda criança precisa para ter uma infância mental e emocionalmente sadia.

Passavam por sua mente todas essas considerações, enquanto olhava para o filho, à sombra de uma castanhola.

- O que vamos fazer com o quimono, mamãe?

A pergunta, repentina, mostrava a seriedade da decisão. Pelo menos naquela fase da vida. Se mais tarde ele se interessasse por algum esporte, ótimo. Se não, ótimo também. Nem todo mundo tem vocação para se tornar atleta. O importante é ficar bem, mens sana in corpore sano, não é verdade?

- O quimono? A gente troca depois por outra coisa.

E foram seguindo pela rua, de mãos dadas novamente, cúmplices das boas escolhas.




Kalliane Amorim

Ribeira

Quando a Poesia e a Música se encontram, nasce a Beleza. E esta sempre é um caminho de encontro com Deus, se carrega consigo a Bondade e a V...