Estávamos andando sob a sombra de inúmeras árvores,
enfileirados à beira de uma calçada, quando meu filho puxa mais forte a minha
mão, com seu jeito de quem quer que eu veja algo muito importante, e me fala,
deslumbrado: Mamãe, a calçada está cheia de gotinhas de sol!
Foi o suficiente para fazer-me o tempo parar e me desestabilizar em meio à correria cotidiana. Meu filho, do alto de seus três anos de idade, me ensinava que a poesia morava no deslumbramento diante das coisas sempre vistas, a mesma lição que Oswald de Andrade comentou ter seu filho lhe ensinado, a mesma que todas as crianças podem ensinar aos adultos, pobres seres privados do exercício de olhar longamente as coisas.
Olhar longamente seja lá o que for é tarefa incompatível com
o mundo que criamos, nós, com nossa ânsia de tudo saber. Como vamos contemplar
o escoar da luz entre as folhas de uma árvore, formando círculos no chão, como
se fossem gotas de sol, se tudo grita à nossa volta para que não prestemos
atenção a essas “inutilidades” que nada acrescentam ao nosso curriculum vitae?
Lembro-me agora do célebre discurso de Chaplin, em O
grande ditador, quando refletia a respeito de nosso aprisionamento naquilo
que nós mesmos inventamos. Criamos - quem, afinal, criou? - inúmeras
tecnologias de informação e comunicação, muito úteis, sem dúvida, porém não
sabemos lidar com elas, deixamo-las reinarem sobre nosso tempo e nossa vontade;
adotamos como verdade que é preciso encher o currículo a qualquer custo, e
pagamos alto por isso, às vezes o preço é o descuido gradativo nas relações
interpessoais; acreditamos, piamente, que vamos nos salvar de nós mesmos quanto
mais compromissos assumirmos e cumprirmos com louvor, esperando - pobres de
nós! - os aplausos da plateia que não sabe como conseguimos fazer tantas coisas
ao mesmo tempo. Mas nós, como nós sabemos como alcançamos tais feitos!
Num outro passeio com meu filho, ele me perguntou o nome do
arbusto de flores vermelhas que vira antes de o semáforo abrir.
Míni-flamboyant, respondi-lhe. Míni-flamboão? Sim, retruquei, míni-flamboyant,
porque tem a árvore grande, flamboyant, e a pequena é míni-flamboyant. A
inventividade, totalmente fundada na lógica, disparou: Mas devia ser
flamboinho, mamãe, porque é pequeno...
Pronto! Desarmou-me mais uma vez o meu menino, atento às
coisas e às palavras. Ah, Senhor, que o tempo passe, mas não permita que ele
cresça! Vou pensando, tão egoísta que sou, só para sorrir de corpo e alma com
essas lições de alumbramento que meu filho me ensina. E, de pronto, retifico a
oração: ah, Senhor, que o tempo passe, e ele cresça, e tenha um filho que lhe
ensine também a não se esquecer de olhar, como olhar, por que olhar, e para
quê.
Kalliane Amorim
Kalliane Amorim
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