sábado, 11 de janeiro de 2020

Só Deus basta

Nada te turbe,
Nada te espante,
Todo se pasa,
Dios no se muda,

La paciencia
Todo lo alcanza;
Quien a Dios tiene
Nada le falta:
Sólo Dios basta.

Eleva el pensamiento,
al cielo sube,
por nada te acongojes,
Nada te turbe.

A Jesucristo sigue
con pecho grande,
y, venga lo que venga,
Nada te espante.

¿Ves la gloria del mundo?
Es gloria vana;
nada tiene de estable,
Todo se pasa.

Aspira a lo celeste,
que siempre dura;
fiel y rico en promesas,
Dios no se muda.

Ámalo cual merece
Bondad inmensa;
pero no hay amor fino
Sin la paciencia.

Confianza y fe viva
mantenga el alma,
que quien cree y espera
Todo lo alcanza.

Del infierno acosado
aunque se viere,
burlará sus furores
Quien a Dios tiene.

Vénganle desamparos,
cruces, desgracias;
siendo Dios su tesoro,
Nada le falta.

Id, pues, bienes del mundo;
id, dichas vanas,
aunque todo lo pierda,
Sólo Dios basta.


(Teresa de Jesus)


Teresa de Jesus, ou Santa Teresa D'Ávila, tornou-se-me conhecida por meio desse poema, quando, lá por volta dos vinte anos de idade, lecionei numa escola onde conheci um aluno que, inclinado à espiritualidade carmelita, veio me apresentar as canções da Irmã Kelly Patrícia, muitas das quais eram, na verdade, escritos de santos musicados por ela. Sendo católica, logo fui cativada por aquelas canções tão profundas na voz doce da irmãzinha. Porém muita coisa aconteceu antes de eu retomar essa oração em forma de poema.

No ano passado, acompanhando as direções espirituais de um frei carmelita, Frei Gilson, tomei conhecimento de um livro intitulado "Só Deus basta", do teólogo polonês Slawomir Biela. Imediatamente fiz relação com a poesia da madre espanhola e pensei que desse diálogo só poderia sair algo bom. De fato, à medida que acompanhava os vídeos, me punha a meditar naquelas palavras que insistentemente repetiam o quanto precisamos nos libertar dos falsos apoios que criamos ao longo da vida para que descansemos, como crianças, no colo de Deus.

Quando soube que o livro havia sido reeditado, providenciei um exemplar, que chegou rápido mas entrou na fila das leituras. Só recentemente comecei, de fato, a ler o livro. E ainda não terminei.  Como toda leitura espiritual, não é de se ler às pressas, na avidez de chegar ao fim e logo passar para a leitura seguinte. Não. É livro para ser meditado, digerido com vagar e atenção, sempre procurando relacionar as verdades ali colocadas com a nossa própria vida nessa peregrinação por este mundo.

A Bíblia diz que "Deus nos fez e somos seus", mas a verdade é que muitas vezes andamos longe demais dele e de nós mesmos, procurando fora aquilo que está dentro, como diria Santo Agostinho em suas Confissões. Nesses tempos hodiernos, então, um dos grandes males que nos acomete é deixarmo-nos levar pela enxurrada de "ruídos" que nos afastam do silêncio necessário à contemplação do sagrado, da verdade que pode nos fazer buscar o caminho de volta para nossa casa, para o lugar de onde saímos, para o coração de Deus. Não é à toa que o livro do Gênesis diz que, ao fazer o homem, Deus soprou-lhe nas narinas o espírito da vida, o seu espírito. Em nenhuma outra criatura ele fez tal gesto, de forma que podemos considerar quão preciosos somos, trazendo em nós o que de mais íntimo pode haver no Criador, sua própria essência vivificante. Se pararmos para prestar atenção na nossa própria respiração, certamente pensaremos que não somos tão autossuficientes assim, tão independentes assim, tão donos de nós assim...

Se numa simples observação como essa, podemos atestar a realidade de nossa total dependência de um Deus Criador e, além disso, Pai, por que tão facilmente nos esquecemos disso e relativizamos, quando não excluímos, as verdades sagradas de nossa existência? Por que é tão difícil viver, na prática, que realmente só Deus nos basta?

Slawomir responde, logo no início do livro:

"O homem - esse ser de coração inquieto e ávido de sonhos - quer continuamente encontrar apoio naquilo que lhe parece mensurável e concreto. E assim, esforça-se por criar para si um sistema material que lhe garanta segurança, ao mesmo tempo em que procura aceitação por parte dos outros, o sucesso e o desenvolvimento de suas capacidades. Mas, em última análise, o que ele deseja é afirmar-se, pelos seus próprios meios, como que se colocando num pedestal e elevando-se à categoria do ídolo que exige glória e serviço."

A raiz do problema reside, então, no orgulho, na vaidade, na crença de que podemos nos bastar por nossos próprios méritos. Esquecemos que "tudo é graça", como repetia la petite Therèse de Lisieux.

O autor continua:

"Enquanto tudo corre bem, vivemos iludidos quanto às nossas próprias possibilidades. Mas, um dia [...] podem sobrevir insucessos [...] Contudo, quanto mais os suportes humanos se desmantelarem, maior será a oportunidade de mudarmos a nossa forma de ver o mundo e de começarem, finalmente, a despertar em nós pensamentos baseados na fé.
[...]
O essencial é querermos interpretar todas essas experiências à luz da fé, considerando-as não como dificuldades da vida, mas, antes, como incentivos que a tornam mais fácil, pois nos lançam para os braços de Cristo e nos impelem a pedir-lhe ajuda. A partir daí, o Senhor tem campo livre para intervir, derramando as suas graças, das quais brotará o bem que, sem essas experiências dolorosas, nunca poderia se desenvolver."

É aquela velha história de que somente na falta percebemos o valor daquilo que sempre esteve ali, ao nosso alcance e para nosso deleite. Como nos curar disso? Como cantar para nossa própria alma "nada te turbe, nada te espante", diante da miséria, da fome, da doença, da falta de emprego, dos tantos insucessos da vida? Ora, se a origem do problema está no orgulho, havemos de cultivar a semente da humildade: para cada vício, uma virtude que lhe combata.

E o que é a humildade? "A humildade é a verdade", esclarece, de forma muito simples, a própria Teresa D'Ávila. E a verdade é que não podemos, heroicamente, por nossas próprias forças, desprendermo-nos de todos os nossos apoios, senão por graça divina. E a verdade é que não podemos ser humildes se não conhecemos nossas próprias limitações. É preciso ajoelharmos a alma e dizermos, de todo o coração:

"Senhor, Tu sabes que eu sou escravo daquilo que possuo. Não sou capaz de deixar nada, nem sequer as menores coisas: sou escravo delas. Mas Tu, que tudo podes, concede-me as graças necessárias para Te seguir."

Fazendo dessa uma oração diária, e olhando para cada um como alguém que trava a mesma batalha, talvez possamos aquietar nossa alma e cantarolar, pacificados:

"Quien a Dios tiene,
nada le falta:
Sólo Dios basta."




Kalliane Amorim

  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ribeira

Quando a Poesia e a Música se encontram, nasce a Beleza. E esta sempre é um caminho de encontro com Deus, se carrega consigo a Bondade e a V...