Ela havia saído com o filho para
comprar um quimono, as aulas iriam começar e ele estava entusiasmado para
aprender a ser um “ninja”, igualzinho aos dos desenhos que costumava ver.
Depois de provar variados tamanhos, escolheram um e foram se dirigindo ao
caixa. Enquanto aguardavam na fila, a mãe comentou, sorrindo, feliz por acompanhar
o crescimento de seu filho:
- Agora, serão quatro dias por
semana, filho. Você já fazia natação, agora tem o karatê. Vai ser tão legal,
né?
O menino ouviu atento e, enquanto
a mãe pagava e se dirigia ao balcão oposto para pegar o pacote, ele brincava
com os bonequinhos de mascotes de times nacionais, de vez em quando chamando-a
para olhar.
Saíram da loja e foram caminhando
pela calçada, de mãos dadas. De repente, ele soltou a mão e parou de andar. A
mãe perguntou, vendo aquele semblante sério, o que acontecera. E o menino,
franzindo a testa, confessa:
- Mamãe, não quero mais fazer
karatê.
- Não? Mas por quê? A gente
acabou de comprar o quimono. Você estava tão empolgado... O que aconteceu?
- É que eu não quero mais fazer
karatê.
- Mas... Você passou meses
insistindo para eu fazer a matrícula, até comentou que seus amiguinhos estariam
na mesma turma.
- Não tô mais com vontade... É
que, mamãe... Tem a natação, né? Aí com o karatê, vai ser mais dia com menos
tempo de ficar perto de você e de papai, vai ser mais dia com menos tempo de
brincar.
Não precisou argumentar mais. Ela
entendeu perfeitamente que seu filho estava fazendo uma escolha importante para
a vida, naquele momento, com apenas seis anos. Pensou que, nessa idade, no seu
tempo, não diria nem sim nem não, não saberia expressar suas escolhas, porque
havia sido educada, ela e sua geração inteira, num contexto em que a palavra
dos pais sempre se impunha à dos filhos. Não que as novas gerações tivessem que
se impor sobre os pais e fazer valer suas vontades a todo custo, até mesmo ao
custo da desobediência. De forma alguma. Acreditava que devia existir, sim, uma
hierarquia, uma autoridade, mas uma autoridade amorosa, com limites e abertura
ao diálogo. Antes, pensou ela, as crianças simplesmente obedeciam, não havia
espaço para falar abertamente sobre suas vontades, escolhas, preferências. Crianças
não se misturavam na conversa dos adultos, o que comprometia, inclusive, seu
vocabulário, sua bagagem cultural. O mundo dos adultos era completamente
distinto e distante daqueles seres minúsculos que ainda não eram gente, eram
apenas um projeto de gente.
Agora ela estava ali, diante de
seu filho, seu pequeno filho que conseguira avaliar o impacto negativo que uma
agenda cheia poderia causar na sua vida. Passava a manhã inteira na escola,
muitas vezes precisava ir para a casa dos avós, porque a mãe tinha compromissos
e não podia levá-lo consigo ou por causa do trabalho mesmo. Embora nos dias da
natação ela ou pai o acompanhasse, para ele ainda era pouco. Precisava da mãe,
não de uma rotina de atividades que o afastasse dela. Precisava do pai, não de
uma figura decorativa no porta-retrato ao lado de sua cama. Precisava do contato
físico, olhar nos olhos, ouvir a voz, sentir o aconchego do colo. Precisava do
carinho e da correção, da brincadeira e da punição, que é disso que toda
criança precisa para ter uma infância mental e emocionalmente sadia.
Passavam por sua mente todas
essas considerações, enquanto olhava para o filho, à sombra de uma castanhola.
- O que vamos fazer com o
quimono, mamãe?
A pergunta, repentina, mostrava a
seriedade da decisão. Pelo menos naquela fase da vida. Se mais tarde ele se
interessasse por algum esporte, ótimo. Se não, ótimo também. Nem todo mundo tem
vocação para se tornar atleta. O importante é ficar bem, mens sana in
corpore sano, não é verdade?
- O quimono? A gente troca depois
por outra coisa.
E foram seguindo pela rua, de
mãos dadas novamente, cúmplices das boas escolhas.
Kalliane Amorim
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