quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Sobre ser amante de livros


Uma das primeiras mensagens que recebo hoje, 9 de agosto de 2017, é a de um mago de barba comprida e chapéu pontiagudo, saltitando em cima de um banquinho e tirando de sua mala mágica livros e mais livros. Logo abaixo havia escrito #bookloversday. Hoje é o dia do amante de livro - pelo menos na cultura americana, segundo o comentário da Nancy, que me enviou o gif assim que soube das comemorações.

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Pensando nisso, ocorreu-me fazer uma lista - as listas sempre correm o risco de ser incompletas, mesmo assim, faço a minha, que me vem agora à cabeça, pode ser que mais tarde eu mude ou acrescente alguma coisa, mas por ora é esta! Pensei numa lista de coisas que só amantes de livros fazem, uma lista de manias, ou melhor dizendo, qualidades de um amante de livros.


1. Amantes de livros sempre cheiram os livros, sejam eles novos ou velhos: o perfume mais agradável de livro que já senti foi uma edição dos poemas de Manoel de Barros que vinha numa caixa de papelão cru, com o livro amarrado por uma fita de cetim, as páginas soltas, o cheiro de perfume de lavanda, bem campestre: lembrou-me minha infância! Nunca me esqueci de meu professor de latim, Stélio Lima, que sempre cheirava os livros que levava para a sala de aula e dizia: o paraíso tem cheiro de livro novo!

2. Amantes de livros sempre tateiam os livros: adoro papel pólen soft e pólen bold!!! E gosto da textura que o papel adquire quando vai ficando envelhecido, como se uma fina camada de celulose fosse se soltando, o papel se desgastando, até que o livro vá envelhecendo e desapareça: a gente devia ser assim também...

3. Amantes de livros sempre levam livros para onde vão: seja na fila do banco, no supermercado, no salão de beleza, na viagem, no banheiro, na cozinha, lá estão o amante e seu objeto de amor, sempre juntos, ainda que não haja tempo de ler. Só o fato de levar a tiracolo um livro já faz do amante um ser diferente, inclusive para muita gente isso é um aspecto relevantessíssimo na conquista amorosa, mas aí já é outra conversa.

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4. Amantes de livros sempre compram livros e mais livros, mesmo sabendo que não lhes é possível ler todos no tempo que gostariam: o pensamento é este: vou comprar e vou ler, mas só quando terminar aquele romance, aquela coletânea de contos, aquele livro de ensaios, aquele diário...Os livros vão se amontoando na estante, nas gavetas, sobre as mesas, mas o amante acha que nunca é suficiente!

5. Amantes de livros sempre presenteiam os amigos com livros e adoram ganhar livros de presente: existe presente melhor do que um livro? Independentemente da idade do presenteado, lá estão eles, os livros, em pacotes simples com estampas da livraria, em embalagens sofisticadas ou mesmo sem embalagem alguma.


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6. Amantes de livros sempre arranjam um pretexto para se juntar com outros amantes de livros e conversar sobre tudo que diz respeito a livros: não falta assunto: a descrição de uma personagem, a sonoridade de um parágrafo ou estrofe, o estilo deste ou daquele autor, a biografia do escritor, a visão de mundo de uma personagem, o fluxo de consciência, os processos dialógicos... é assunto que não acaba mais!

7. Amantes de livros sempre compram edições do mesmo livro: porque não basta ter o livro, é preciso contemplar, preferencialmente na própria estante, diferentes modelos da mesma obra, examinar a qualidade da edição na escolha da capa, das páginas, do tradutor, se for o caso. E quando se consegue a primeira edição, numa dessas buscas ensandecidas em sebos ou após o contato, cheio de negociatas e acordos, com algum bibliófilo, é o êxtase!

8. Amantes de livros sempre sofrem quando veem alguém dobrando as páginas dos livros ou passando as páginas de modo a deixá-las com aquela ondulação horrível na borda inferior: sem maiores comentários, mas dá vontade de tomar das mãos do torturador o livro, que não tem nada a ver com os maus hábitos do indivíduo, e levar para casa a vítima, prestar-lhe os primeiros socorros e colocá-la na sua estante. Ou então dar uma lição de moral, o que nem sempre funciona, porque é uma questão de amor e nem todo mundo entende. Nesse mesmo item de sofrimento, incluo também o fato de ver alguém pegando livros sem antes lavar as mãos, ou escrevendo nomes e palavras na lateral, na parte das páginas. Isso não se faz!


Resultado de imagem para amor aos livros9. Amantes de livros sempre têm uma história malfadada de empréstimo de livro para contar: fazemos promessa para nunca mais emprestar os livros, porque já sofremos com as idas sem volta; anotamos o nome da pessoa num caderninho para não nos esquecermos de quem vai levando aquele exemplar que tanto estimamos, mas a folhinha, misteriosamente, desaparece, e pronto, nunca mais vemos os livros; mas mesmo com todo o sofrimento, teimamos em continuar emprestando porque acreditamos que as pessoas podem se transformar após a leitura de um livro, e isso é tão bom, não é, gente?

10. Amantes de livros sempre arrumam seus livros como bem entendem, mas ai de quem puser as mãos neles: há aqueles metódicos, que organizam seus livros em ordem alfabética, ou por assunto, ou por autor, ou por nacionalidade, ou por ordem de aquisição; há aqueles que contratam bibliotecários para organizar sua coleção; há quem siga somente uma inclinação estética e organize os livros pelo tamanho, pela cor ou pela espessura das lombadas; o amante organiza como bem entende, e é um prazer  imensurável realizar tal tarefa, um prazer exclusivo dele. Que ninguém, em sã consciência, ouse alterar a disposição de seus objetos de prazer, pois pode ser vítima de ataques furiosos e até mesmo de pragas rogadas pelo dono dos livros! Não é brincadeira, não!

11. Amantes de livros estudam línguas estrangeiras só para ter o prazer de ler seus livros favoritos na língua original: porque, convenhamos, por melhor que seja a tradução, nada se compara à leitura original, saída da pena, da caneta, da máquina datilográfica ou do computador do escritor. Ler na língua original é adentrar na percepção de mundo de uma cultura e, disso bem sabem os tradutores, uma versão escrita em outra língua pode fazer com que se perca muito da sonoridade e dos sentidos das palavras originais.

12. Amantes de livros memorizam facilmente as passagens que lhes marcaram: eu, particularmente, como leitora ávida de poesia, tenho na memória versos que aprendi na adolescência. Não tenho a mesma desenvoltura quando se trata de prosa, infelizmente, mas lembro de passagens marcantes pela reflexão que produziram em mim ou pela forma como foram escritas, como a descrição de Juliana em O primo Basílio, ou do beijo entre Capitu e Bentinho, no quarto dela; lembro-me da aflição de Gregor Samsa em seu quarto, transformado num monstruoso inseto, e da cena em que seu pai atira-lhe uma fruta de cera nas costas; lembro da tensão de Raskolnikóv no dia em que assassinou as duas mulheres; e lembro de outras inúmeras cenas que me tiraram o fôlego, de belas e intensas que são. Lembrando que há também os amantes que, para que a memória não lhes traia, colecionam trechos de seus livros favoritos, o que também é uma maneira de guardar o que se ama.

13. Amantes de livros sempre adquirem objetos relacionados a livros: nessa lista, entram marcadores de página, canetas, canecas, camisetas, almofadas, bolsas, quadros, esculturas, bottoms, e o que mais houver que faça referência às obras e aos autores que amamos. Tais objetos funcionam quase como sacramentos, permanecendo expostos nos ambientes domésticos ou laborais, ou então nos acompanhando como vestimenta ou acessório, sempre trazendo à memória a vida escondida nas páginas dos livros.


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14. Amantes de livros sempre ficam com os olhos brilhando quando entram numa livraria ou biblioteca: o pensamento que perpassa a mente nessas horas é um só: eu moraria aqui o resto da vida!... Mas como a vida requer outras vivências, temos nós outras obrigações e atividades a cumprir, lá vamos nós viver e aproveitar cada momento disponível para contemplar os objetos de nosso desejo e lê-los como se degustássemos uma deliciosa sobremesa, vagarosamente, para que não se acabe logo.

15. Amantes de livros sempre tentam convencer os outros, ainda que inconscientemente, sobre o prazer de ler livros: a experiência com o objeto livro - e digo objeto porque começa com o ativar das sensações que um livro físico provoca em nós, algo totalmente diferente do que acontece com a leitura em aparelhos eletrônicos - e com o universo que emerge de suas páginas é tão visceral, que transborda de nós, a ponto de muitas vezes, realmente, mover os outros com a paixão que nos acomete a alma. Perdi a conta das vezes em que amigos ou alunos me falaram que só leram determinado livro por influência minha: falei pelos cotovelos, insisti tanto, que a pessoa resolveu ler só para atestar se a obra era tão interessante como eu falava. A última vez em que isso aconteceu me deixou emocionada: estava em sala de aula quando ela chegou, pediu licença e me confessou que tinha vindo me procurar só para dizer que passara no curso de Letras, e que de alguma forma havia uma pontinha de influência minha na decisão dela. Meus olhos brilharam e eu pensei: mais uma para a irmandade!


Bom, essa é minha lista. Acredito que ainda ficaram alguns itens de fora, coisas de que agora não me lembro. Quem quiser dar sua contribuição, é só comentar!

Ah, antes de me despedir, deixo o link para um lindo curta-metragem sobre ser amante de livros: The fantastic flying books of Mr. Morris Lessmore. Créditos no vídeo.



Até mais!

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